Quem tem mais de 25 anos, com certeza já ouviu – ou já disse – frases como: “a tecnologia vai acabar com os empregos” ou “a tecnologia vai afastar as pessoas”. É possível, ainda, listar uma dezena de citações de grandes nomes da humanidade que, no passado, viam com maus olhos a evolução tecnológica. Para trazer apenas um exemplo, Pablo Picasso disse, certa vez, que “computadores são inúteis. Eles conseguem apenas lhe dar respostas”.
Sim, para nós, que somos cringes – e saber o que é isso já diz muito sobre nossa relação com a tecnologia -, o advento da internet, por exemplo, foi um processo de muito aprendizado e, por vezes, de muita dor. É claro que, ao olharmos a Geração Z e sua estranha relação com as outras pessoas – principalmente por terem dificuldade de lidar com outro ser humano sem um gadget intermediando -, ainda nos assustamos. Deveríamos?
O foco aqui é, justamente, a humanização e a grande contradição em torno de como a evolução tecnológica nos permite desenvolver relações mais próximas. Mas, para falarmos do presente e olharmos para o futuro, precisamos voltar, brevemente, ao passado. Imagine que nossos avós eram impactados por um anúncio de jornal. Um único anúncio, com a mesma imagem e o mesmo texto para atingir as mais diferentes pessoas de variadas classes sociais.
Afinal, comprar uma lata de leite condensado nunca foi um grande segredo. Um guarda-roupas era apenas mais um item da sua casa. Mas o tempo passou e nossa relação com as marcas foi mudando. Um balzaquiano qualquer adora comparar elementos parafraseando Tostines (diga para um adolescente “Tostines vende mais porque é fresquinho ou é fresquinho porque vende mais?” – ele vai olhar para você como quem vê uma assombração).
Se você comprou leite Parmalat porque foi impactado por crianças fantasiadas de animais, saiba que fez parte de um momento estratégico em nossa história, quando as ações das marcas já eram cheias de storytelling, mesmo antes desse termo ser popularizado. A título de curiosidade, a primeira menção oficial veio em 1993, com Joe Lambert, nos Estados Unidos.
Pulemos alguns anos, do fim da década de 90 para os dias de hoje. A evolução tecnológica que durante anos tirou o sono de alguns, não apenas não destruiu empregos ou afastou as pessoas como, pelo contrário, teve papel fundamental na humanização das relações. Se antes as marcas apenas “falavam” o que desejavam anunciar e a audiência “aceitava”, hoje o cenário é muito diferente. Comprar um guarda-roupa, como citado acima, envolve, por exemplo, “conversar” com uma “pessoa” chamada Lu, que se tornou tão real que é tratada como uma personalidade e seguida por milhões de seres humanos.
Hoje, as marcas são vistas como seres com personalidade, que acertam e erram, que falam e escutam. Escolher uma lata de leite condensado, por exemplo, vai muito além da embalagem que traga uma moça camponesa. Hoje, conquistar seu público exige que sua marca seja alguém, de fato. Comprovando a contradição, no momento mais sensível da humanidade no século atual, foi justamente ela, a tecnologia, que nos permitiu manter as relações humanas tão próximas, mesmo distantes – e em meio a uma pandemia.
Por essas e tantas outras, que nós, cringes, pagamos a língua.
*Cristiano Caporici é diretor de Comunicação e Marketing da Tecnobank.